sábado, 13 de outubro de 2007

Um dia atrás do outro...: Amor Imperfeito...

Um dia atrás do outro...: Amor Imperfeito...
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas,

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade
És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!
Oiço de novo o riso dos teus passos!
És tu que eu vejo a estender-me os braços
Que Deus criou p´ra me abraçar a mim!

Tudo é divino e santo visto assim...
Foram-se os desalentos, os cansaços...
O mundo não é mundo: é um jardim!
Um céu aberto: longes, os espaços!

Prende-me toda, Amor, prende-me bem!
Que vês tu em redor? Não há ninguém!
A terra? - Um astro morto que flutua...

Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,
Tudo o que é vida e vibra eternamente
É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!

Florbela Espanca
Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só de pensar em ver
Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?

Fernando Pessoa
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálperas pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua...,- unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois...- abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

Sonetos de Amor de José Régio

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Eu não consigo habituar-me á ideia
de me afastar e nunca mais te ver!...
e, como os olhos, sinto a alma cheia
de lágrimas que, em vão, tento reter.

Não tenho neste mundo outro prazer;
e debalde a razão diligenceia,
preso que estou a ti, como a um dever,
obrigar-me a partir essa cadeia.

Consigo sempre tudo quanto quero,
só não posso matar o grande amor
que me enche de amargura e desespero!...

Põe nos meus os teus olhos, condoída!
sê para mim uma irmã, seja o que for,
mas qualquer coisa, enfim, na minha vida!

Fausto Guedes Teixeira
Tua frieza aumenta o meu desejo:
fecho os meus olhos para te esquecer,
mas quanto mais procuro não te ver,
quanto mais fecho os olhos mais te vejo.

Humildemente, atrás de ti rastejo,
humildemente, sem te convencer,
enquanto sinto para mim crescer
dos teus desdéns o frígido cortejo.

Sei que jamais hei-de possuir-te, sei
que outro, feliz, ditoso como um rei,
enlaçará teu virgem corpo em flor.

Meu coração no entanto não se cansa:
amam metade os que amam com esperança,
amar sem esperança é o verdadeiro amor.


Eugénio de Castro